O avanço do nível do mar já ameaça residências e praias no Grande Recife. O movimento tem afetado, principalmente, moradores de Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Paulista e Recife. Pesquisadores alertam que, sem novas medidas, a perda de território pode se intensificar nos próximos anos.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e publicado na revista Quaternary and Environmental Geosciences analisou a erosão ao longo do litoral da Região Metropolitana. A pesquisa investigou os municípios citando, revelando que a linha da costa não se comporta de forma homogênea. Enquanto alguns trechos apresentam intensa erosão, outros permanecem estáveis ou até em crescimento.
Paulista foi apontado pelo estudo como o município mais afetado, sobretudo nas praias de Pau Amarelo, Janga e Enseadinha, onde a retração da linha de costa já chegou a 1,05 metro por ano em alguns trechos. “Quando a maré está alta, o mar avança, cavando a areia e causando erosão. A areia se acumulou e fechou o acesso a certas áreas, criando vegetação e alterando a configuração da praia. Seria necessário fazer uma intervenção, como um aterro, para reverter esse processo”, destaca o vendedor Josafá Santana, que atua há duas décadas na Praia do Janga.
Já em Olinda, que desde o início do século 20 registra ressacas e perdas de faixa de areia, especialmente nas praias dos Milagres e do Carmo, grande parte da orla está protegida por obras de engenharia. Isso trechos, mas também transferiu a erosão para áreas vizinhas. Por isso, morar na beira da praia já se tornou um medo para algumas pessoas.
O aposentado William Pinheiro, de 85 anos, do bairro Novo, em Olinda, conta que percebeu o avanço do mar nos últimos anos e que a esposa dele tem receio de que a água, que já atinge parte da casa, prejudique a residência. “Quando cheguei aqui, há 26 anos, o mar não tinha avançado tanto e ainda existiam umas três ruas de diferença em relação ao tamanho do banco de areia. Hoje, quando a maré sobe, a água já bate na minha varanda”, relata.
Na capital pernambucana, a erosão é mais pontual em áreas como o sul de Boa Viagem e a Praia do Pina, áreas que sofreram com recuos da linha de costa desde os anos 1990. A construção de enrocamentos (muros de pedras) estabilizou trechos, mas reduziu a largura da praia e empurrou o problema para o norte.
Em Jaboatão, o estudo identificou erosão intensa nas praias de Piedade, Candeias e Barra de Jangada, onde muros e piscinas foram destruídos. Segundo os autores do artigo, os processos naturais, como marés mais altas, ressacas de inverno e ventos fortes, têm grande influência na erosão, mas o fator humano é decisivo.
A ocupação irregular do pós-praia, a construção de molhes e espigões, e a falta de espaço para o sistema natural de sedimentos se ajustar acabaram reduzindo a resiliência da costa. Em muitos pontos, a faixa de areia praticamente desapareceu, deixando calçadas, casas e prédios expostos à força do mar. Os pesquisadores defendem a implementação de programas de manejo costeiro voltados à restauração da faixa de areia, em vez da simples construção de obras rígidas, que tendem a deslocar o problema.
“Existem vários locais do mundo em que, de tanto homem tentar conter esse avanço do nível do mar ou do deslocamento da linha de costa, precisou ser feita a realocação de áreas. Esse deslocamento de mais ou menos meio metro por ano, segundo a literatura, é natural. O que deve ser feito é um estudo antes de usar áreas como estas”, explica Tereza Araujo, professora do Departamento de Oceanografia UFPE.
Um estudo conduzido por pesquisadores da UFPE e da Universidade de São Paulo (USP) revelou que os recifes de coral da Região Metropolitana perderam parte significativa de sua capacidade de proteger a linha de costa contra o avanço do mar.
A pesquisa mostra que mudanças na geometria dos recifes, combinadas ao aumento do nível do mar e à degradação ambiental, estão diretamente ligadas ao agravamento da erosão em praias urbanizadas da capital pernambucana e municípios vizinhos.
Os recifes funcionam como barreiras naturais, dissipando até 99% da energia das ondas em determinadas condições. No entanto, essa proteção depende da profundidade do topo dos recifes e da saúde do ecossistema. No Recife, onde existe um banco recifal submerso de 18 km de extensão por 1 km de largura, parte da estrutura já se encontra a quatro metros de profundidade, permitindo a passagem de ondas maiores até a faixa de areia.
Segundo o estudo, nos trechos onde os recifes estão mais rasos, cerca de 0,5 metro durante a maré baixa, quase toda a energia das ondas é dissipada ainda na borda externa. Mas em áreas mais profundas, a dissipação ocorre apenas por atrito no fundo, reduzindo a eficiência da barreira. Esse fator, associado à elevação média do nível do mar em 5,2 mm por ano nas últimas décadas, contribui para que mais energia chegue às praias, acelerando processos erosivos.
A consequência prática já é visível e o Grande Recife concentra um dos maiores índices de erosão costeira do Brasil, com praias estreitas, avanço das marés e necessidade crescente de obras de contenção, como muros de arrimo e enrocamentos.
O estudo reforça que os recifes ainda desempenham um papel crucial na contenção do avanço do mar, mas sua eficácia vem diminuindo. “Em relação aos ecossistemas costeiros, como os recifes de coral, observa-se que estes atuam na atenuação e absorção da energia das ondas. Sem a presença dessa estrutura, a configuração urbana da cidade de Recife seria significativamente diferente, pois a atuação do recife na atenuação das ondas é crucial. A existência de problemas atuais evidencia a importância desse ecossistema”, explica Tereza Araujo.
Entre as medidas sugeridas estão o monitoramento contínuo do nível do mar, ações de recuperação de corais e controle do impacto urbano sobre os ecossistemas marinhos.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha (Semas) informou que assinou um Acordo de Cooperação Técnica com a Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB) e a Secretaria Executiva de Projetos Especiais (SEPE) para contratar uma empresa de engenharia costeira para revisar estudos, desenvolver projetos de restauração para as praias da Ilha de Itamaracá, Paulista, Olinda e Jaboatão dos Guararapes e identificar novas jazidas de areia no fundo do mar. O custo estimado é de R$ 20,5 milhões.
Fonte: Diário de Pernambuco
Foto: Marina Torres/DP Foto
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