Fosse a política brasileira menos acomodatícia, a reforma ministerial em gestação implicaria a retirada dos cargos entregues ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que a esta altura, aliás, nada mais tem de socialista afora o nome. Os últimos gestos do presidente da sigla, Eduardo Campos, indicam a intenção de criar, sempre que pode, embaraços ao governo federal, que supostamente apoia.
Há 15 dias, o governador de Pernambuco estabeleceu uma surpreendente aliança com Paulo Pereira da Silva, o principal dirigente da Força Sindical, para barrar a privatizante MP (595) dos portos. Em seguida, na quarta passada, liderou 16 governadores em uma proposta de onerar a União em R$ 4,5 bilhões para resolver o problema criado com a derrubada no Congresso do veto presidencial sobre a divisão dos royalties do petróleo.
Campos vem sendo procurado por descontentes, à direita e à esquerda, com a presidente Dilma Rousseff. De empresários do agronegócio a representantes da estiva, passando por candidatos à presidência da Câmara, é extensa a romaria dos que viajam a Recife. A todos o neto de Arraes acolhe com magnânima boa vontade, mesmo que nada tenham a ver com a sua plataforma modernizante de eficiência gerencial.
O caso dos portos é exemplar. O mais coerente para quem defende o uso de métodos empresariais na gestão pública seria apoiar a medida privatizante. Mas Eduardo decidiu secundar o movimento dos trabalhadores, que têm nova greve marcada em uma semana com o objetivo de barrar o que consideram a privatização do setor. Para o cúmulo da ironia, o ministro encarregado da Secretaria de Portos é do PSB.
O objetivo evidente do jovem político nordestino é ampliar as bases para uma postulação presidencial de centro, provavelmente já no ano que vem. Portador de altíssima aprovação em seu Estado, ainda é pouco conhecido no resto do Brasil. Mesmo depois do bom desempenho do partido nas eleições municipais de 2012, Campos tinha apenas 3% das intenções de voto no país. Por isso, precisa aparecer.
A disputa de 2014 será difícil para um candidato fora das grandes agremiações (PT e PSDB), considerando-se que Marina Silva também correrá pelo meio. Com pouco tempo de TV, Campos terá baixo poder de fogo. O seu trunfo é o suporte que recebe dos que querem desgastar Dilma, o que pode crescer caso a situação econômica patine. O mesmo explica, por sinal, a hesitação do PSD, de Kassab, em aderir à recandidatura da presidente.
O governo parece alimentar a ilusão de que pode recuperar a lealdade de Campos mais à frente. A lógica indica, entretanto, que só a terá se e quando não precisar mais dela.
NENA CABRAL COMENTA: A PENÚRIA DA SAÚDE
Já que está todo o mundo falando do pacote de incentivos para a saúde que ainda não saiu, também vou dar meu palpite.
Não me causa incômodo a proposta de o governo oferecer financiamento barato para a ampliação da rede hospitalar privada. Afinal, até hotéis de luxo costumam recorrer ao juro camarada do BNDES. Não posso, porém, dizer o mesmo da ideia de reduzir a carga tributária que incide sobre os planos de saúde.
Hoje, numa curiosa inversão de prioridades, o governo investe muito mais na saúde dos ricos que na dos pobres. A possibilidade de deduzir do IR a totalidade das despesas sanitárias faz com que o governo pague 27,5% de todas as contas médicas de uma família de classe média alta, sem fazer perguntas e incluindo procedimentos cosméticos. Como um bom plano não sai por menos de R$ 500 mensais, o rico recebe, por baixo, um subsídio anual de R$ 1.650, quando o gasto público per capita é de R$ 645,27 (2005-07).
E, se a meta é começar a resolver o problema do subfinanciamento da medicina pública, faz mais sentido mexer nessas engrenagens fiscais --que estão ao alcance da caneta do ministro-- do que recorrer a propostas de difícil execução, como exigir que o SUS seja ressarcido sempre que um contratante de plano privado for atendido num serviço público.
Fazer um sistema desses funcionar exige que se crie uma custosa máquina burocrática, que precisaria conferir todos os atendimentos realizados em hospitais públicos do país, cruzá-los com uma base de dados que estará frequentemente desatualizada, enviar as respectivas cobranças e zelar pelo recebimento. E essa estrutura estaria fincada na ANS, agência que não é exatamente conhecida por defender o SUS.
Considerando que, em qualquer hipótese, o custo extra será transferido aos usuários de planos, parece-me ilógico não utilizar a via rápida e descomplicada dos impostos.
NENA CABRAL COMENTA: EDITORIAL: EXCESSO DE AMBIÇÃO
Num movimento um tanto surpreendente, o líder do PSD, Gilberto Kassab, comunicou à presidente Dilma Rousseff que seu partido conservará a independência em relação ao governo federal pelo menos até 2014. Esperava-se, e para logo, o embarque da quarta maior sigla do Congresso na nau governista.
O PSD é o rebento mais recente e caricato da massa amorfa em que se transformou a política nacional. Explorou uma brecha na norma de fidelidade partidária, arrebanhou parlamentares e governantes mal servidos em todo o país e granjeou seu principal ativo: tempo de propaganda eleitoral na TV e no rádio proporcional à bancada na Câmara dos Deputados.
A plataforma do PSD é o governismo, a disposição de servir a qualquer partido no poder, em qualquer esfera, a despeito de ideologia ou rusgas do passado. Não se trata, porém, de uma disposição abstrata. É preciso retribuição.
Eis o ponto no qual, ao que parece, emperraram as negociações com o Planalto. A presidente oferecia um ministério de impacto reduzido, ainda por implantar, dedicado à pequena empresa. Talvez a retribuição fosse pouca para convencer os companheiros do PSD a vestir a camisa oficial da situação.
Para traçar uma parábola com a economia nacional, há descompasso entre a oferta finita de ministérios e outras regalias federais, de um lado, e, do outro, a demanda voraz por esses ativos políticos, incrementada pela classe emergente dos governistas do PSD.
Há limites de acomodação partidária até para uma máquina bizantina como a administração federal, com 39 ministérios, 20 mil cargos de confiança, estatais e autarquias espalhadas pelo país.
Não há mais vagas no camarote VIP da administração Rousseff. Talvez por isso surja, de uma parte relegada à periferia do governismo, um protomovimento de oposição à presidente Dilma e ao consórcio PT-PMDB.
Encabeçado pelo PSB do governador Eduardo Campos, um satélite ensaia desgarrar-se do centro de gravidade palaciano. Passa, se não a encorajar atitudes como a ambiguidade de Kassab, pelo menos a valorizar seu passe em negociações futuras com o petismo.
Decerto esse movimento não se atrita apenas com o Planalto. Eduardo Campos já disputa uma raia da competição política, no empresariado e na opinião pública, muito próxima da utilizada pelo PSDB e pelo seu virtual candidato a presidente, o senador Aécio Neves.
A lamentar, apenas o fato de essas disputas de bastidores não se traduzirem num choque transparente de programas para governar e desenvolver o Brasil.
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